Alimentação na Era Viking

        Como já vimos algumas vezes os escandinavos da Era Viking eram, acima de tudo, fazendeiros. Não apenas pela produção de bens de comércio mas também porque a agricultura e a pecuária são o que mantém uma sociedade rural viva. Porém, a configuração da produção e as especificidades da dieta não são uniformes em toda a Escandinávia. Ao estudarmos a geografia da região, podemos ver que boa parte do terreno é composta de solo íngreme, com colinas altas tomando parte de quase toda a Noruega e solo plano, adequado para a pecuária, sendo presente apenas no sul da Suécia e em parte da Dinamarca. Com isso somos levados a nos perguntar:

Como era composta a dieta dos povos do Norte?

        Uma resposta extremamente simplista e reduzida seria "um pouco de tudo". O grosso dos alimentos vinha da produção da fazenda, sendo o leite e o queijo componentes protagonistas na mesa das famílias escandinavas. Ao contrário do que se imagina, a carne de boi era pouco consumida e não muito valorizada. Isso se dava pelo gado ser escasso e difícil de ser mantido, tendo como principal função a produção de laticínios. Com a chegada do inverno o fazendeiro precisava contabilizar os estoques de alimentos e avaliar quais animais ele manteria aquecidos e alimentados dentro de sua casa e quais ele mataria por sua carne. Sendo assim, ter bastante carne na mesa era sinal de que a colheita tinha sido fraca e que poucos animais seriam mantidos durante o inverno, diminuindo a sua produção no verão seguinte. Já porcos eram mantidos exclusivamente pela carne e eram a preferência daqueles que moravam em centros populacionais mais densos. Eles ocupavam menos espaço e podiam ser alimentados com as sobras das refeições, convertendo em carne fresca vegetais e outros alimentos que já estavam impróprios para o consumo humano. Além destes, carneiros e ovelhas também eram criados para além da lã e gansos, patos e galinhas por conta dos ovos.

Mulher demonstrando como é feito o "viking flatbread(pão chato com farinha de cevada e mel) no Viking Culture Day de 2013,
festival que ocorre na cidade de Gold Coast, na Austrália.

        Ao norte da Escandinávia, onde o terreno era menos fértil e mais acidentado e o clima mais extremo, a principal fonte de proteína vinha da caça. Cervos, veados, alces, coelhos e esquilos eram caçados e sua carne servida em ensopados, junto das poucas leguminosas que podiam ser cultivadas na região. Além disso, o pêlo destes animais, principalmente dos esquilos, eram mercadorias que podiam ser trocadas por outros bens que não cresciam na região ou não podiam ser caçados nas florestas, sendo o comércio, mais uma vez, um aspecto importante da cultura escandinava que garantia não somente um mercado ativo mas ajudava a manter habitadas essas regiões tão distantes e geladas. Além da caça, a coleta de frutas, cogumelos e outros alimentos da floresta ajudavam a complementar a dieta do dia-a-dia.
        Outra fonte de alimentação que não deve ser esquecida de forma alguma quando o assunto é culinária escandinava são os peixes. Ao norte da Escandinávia essa era outra fonte vital de sustento para os nórdicos, sendo registrado tanto nas sagas como em representações artísticas. A pesca permitia acesso relativamente simples a uma variedade de alimentos que podiam ser facilmente conservados. Desde a carne de baleia e tubarão até peixes menores como o arenque, os escandinavos procuravam ao máximo extrair tudo que o mar pudesse oferecer como complemento de seus pratos. É provável que o peixe tenha sido o alimento mais importante onde quer que houvesse grande concentração de pessoas como, por exemplo, em cidades comerciais ou na Althing anual. Algumas fontes sugerem que baleias foram levadas à terra pelos nórdicos em seus navios, onde eram abatidas, proporcionando alimentação abundante para um assentamento inteiro. É mais provável que escandinavos simplesmente se aproveitassem de baleias mortas ou enfraquecidas que eram levadas às praias pelas águas.
*Villagers at home
Membros do grupo Regia Anglorum preparando peixes, pães e
maçãs para uma refeição, utilizando o caldeirão. (2005)
        É muito provável que eram as mulheres quem preparavam e serviam a comida em casa, embora as sagas indiquem que, longe de casa, os homens preparavam sua própria comida (nas assembléias, a bordo de navios e em festivais de jogos, por exemplo). Devido à falta de registros históricos de pratos culinários da Era Viking, a maioria das informações sobre a cozinha nórdica decorre de extensa pesquisa histórica e, subsequentemente, arqueológica. Por exemplo, graças aos esforços dos arqueólogos, uma reconstrução de uma receita de pão da Era Viking foi descoberta na cidade comercial de Birka, perto de Estocolmo, Suécia. Pão era feito principalmente de cevada ou de uma mistura de cevada com trigo, aveia, centeio e farinhas menos nobres. Cozinhar nas longhouses muitas vezes se fazia em buracos cavados no piso, utilizado como fornos de terra. A conservação das carnes era fundamental, uma vez que os povos do Baixo Medieval não dispunham dos recursos tecnológicos que temos hoje, porém, os escandinavos estavam familiarizados com diversas técnicas de conservação de alimentos. Salgar a carne, defumá-la ou deixar secando ao sol eram das técnicas mais comuns e eficazes. Uma variedade de carnes cozidas e produtos lácteos também eram armazenados em tonéis de soro de leite azedo.
Foto de experimento histórico-gastronômico realizado no
dia 30/01/2011, em São Luís/MA, para o artigo "Um
banquete para Heimdallr: uma análise da alimentação
viking na Rígsþula" da Profª Luciana de Campos.

        No artigo "Um banquete para Heimdallr: uma análise da alimentação viking na Rígsþula" (2011) a Profª Luciana de Campos faz uma análise da alimentação na Era Viking baseando-se em uma importante fonte da mitologia escandinava, a Rígsþula, poema éddico que nos apresenta alguns elementos fundamentais acerca das práticas alimentares vikings, das mais simples às mais complexas. Nas palavras da professora, "o banquete para Heimdallr descrito na Rígsþula não lembra em nada a imagem de banquetes que temos tão popularizados pelo cinema, pelas histórias em quadrinhos e pela literatura de fantasia onde homens vestidos com peles ou roupas grosseiras fartam-se de carne, vinho, cerveja e comportam-se como 'bárbaros', dando a impressão de que não poderiam provar outra comida que não fosse a carne assada".
        Na foto ao lado podemos observar uma típica refeição viking: sopa de espinafre com creme a base de gemas e nata, salada “oxicogarita” (chicória, nabos e alface romana), pão de grãos, salmão assado, camarões cozidos, cenouras caramelizadas no mel e manteiga, bacalhau cozido com alho, doce de maçãs com nozes e mel e bolo de açafrão e mel, tudo acompanhado por “suco” de maçã, cerveja e vinho tinto seco. 

Bebidas

        Cerveja do tipo ale, feita a partir da cevada maltada, foi a bebida básica de todas as classes e idades, embora o leite, a cerveja do tipo beer, o hidromel e os vinhos de frutas também fossem conhecidos e apreciados. Deve-se notar que, embora as palavras modernas beer ale sejam quase intercambiáveis atualmente, há boas evidências de que as duas bebidas eram muito diferentes no norte da Europa medieval. Análises literárias em Inglês Antigo e em Nórdico Antigo evidenciam que "ale" (I.A.: ealu; N.A.: öl) era a cerveja produzida a partir de cereais maltados, enquanto "beer" (I.A.: beor; O.N.: björr) era usado para as bebidas alcoólicas doces. Estudos recentes de filólogos reforçam que os termos beor björr eram utilizados para cidras de maçãs e pêras durante a Era Viking.
"Viking Banquet - Time For a Drink". Foto do
Jorvik Viking Festival de 2015.
        Na Islândia, pelo menos uma parte do malte era importada; o capítulo 11 da Víga-Glúms saga diz que Árnorr, em preparação para sua festa de casamento, foi buscar malte no centro comercial em Gásir. No caminho de volta, Árnorr se encontrou com Þorgrímur, cuja proposta de casamento com a mesma mulher havia sido rejeitada. Árnorr conseguiu escapar quando Þorgrímur e seus homens atacaram com espadas em punho, porém, perdeu o malte comprado, então Þorgrímur disse que não estava completamente sem sorte: "vamos beber a cerveja, mesmo que eu não possa ter a mulher". As festas e banquetes nórdicos devem ter sido excessivamente alcoólicos, se as histórias estiverem certas. Devido às impurezas na bebida, deve ter havido algumas ressacas horrendas na manhã seguinte. Não haviam restrições sobre a maneira e quantidade correta a ser bebida, no entanto o Hávamál recomenda em vários versos (por exemplo no 19) que se deve beber com moderação. Quando Hárekr desafiou Brandr para beber, este recusou, dizendo que aquele tinha baixa sagacidade por querer desafiar todos a beber, como é contada no capítulo 8 da Ljósvetninga saga. 
        
        Além das referências deste artigo, recomendamos os seguintes links para obter mais informações sobre alimentação na sociedade nórdica da Era Viking:



Referências bibliográficas


James Graham-Campbell. Os Vikings, Grandes civilizações do passado. Editora Folio, 2006.
Luciana de Campos. Um banquete para Heimdallr: uma análise da alimentação viking na Rígsþula. UNESP, 2011.
Artigo sobre alimentação e bebida do Regia Anglorum. https://regia.org/research/life/food.htm
Artigo sobre alimentação e dieta na Era Viking do Hurstwic. http://www.hurstwic.org/history/articles/daily_living/text/food_and_diet.htm
Artigos sobre alimentação e bebida da Viking Answer Lady. http://www.vikinganswerlady.com/food.shtml  / http://www.vikinganswerlady.com/drink.shtml

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